quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Ainda em Recife

Enquanto abastecemos o barco e fazemos alguns reparos de peças, ainda consequências da regata Recife/Noronha, damos algumas caminhadas por alguns bairros de Recife. Em alguns momentos do dia estas prosaicas atividades chegam a ser penosas devido ao forte calor quase equatorial.
A previsão é de sairmos em dois dias em direção a Maceió (120 milhas), fazendo um breve pit-stop e logo uma perna maior (280 milhas) até Salvador.
Ainda revejo algumas fotos da vinda de Noronha e coloco no blog para uma idéia de como foi nossa vinda, uma tranquila viagem acompanhado por golfinhos e com nossa tripulação formada por meu filho Marcelo, nosso amigo Rafa e o querido Victor.

Regata Recife / Fernando de Noronha

Eram três da tarde de segunda-feira e acordei com fortes dores nas pernas. Câimbras espalhavam-se por diversos músculos ao mesmo tempo. Eram o reflexo de uma viagem duríssima e cansativa de 300 milhas náuticas. Havíamos chegado às 09:30hs da manhã em Noronha, apenas algumas horas atrás, e 41 horas após termos largado de Recife. O mar esteve descomunalmente alto e com ventos entre 20 e 35 nós, o que nos obrigava a constantes mudanças de velas e um interminável banho de água salgada. O barco esteve um caos boa parte do percurso, todo molhado e com roupas misturadas com frutas e legumes. Íamos dormir (como se isto fosse possível) todos encharcados e assim molhávamos os colchões e tudo mais.
Pelo rádio escutávamos os diversos pedidos de ajuda à Marinha, barcos com leme quebrado, desmatreados, alguns voltando ao continente para reparos como o Delirante e o Guga Buy com seus cabos de aço que ligam o leme ao timão estourados. Ouvimos também um barco solicitar auxílio médico à Marinha, pois seu tripulante estava inconsciente (mais tarde soubemos que ele havia sofrido um AVC) e tinha que ser internado no hospital em Natal. Outros barcos retornaram pois seus tripulantes não aguentaram o tranco. Outro rasgou a vela mestra, outro perdeu nada menos que uma catraca pela força do vento. Outro a âncora, e assim por diante. Íamos escutando pelo VHF e pensando em como estava mesmo duro o mar. Na chegada em terra soubemos que quase todo mundo havia enfrentado pelo menos algum inconveniente.

Em algum comentário anterior ainda elogiei o Taouhiri por quase nunca nos dar trabalho. Justamente nesta perna tivemos dois problemas. O primeiro nem tão grande, mas que custou-nos quase doze horas com a genoa recolhida ( o que no final resultou cinco horas a menos no tempo de chegada). Isto quando estávamos a apenas 100 milhas de Noronha, faltando apenas um terço da viagem.

E o mais grave, na linha de chegada, com o barco completamente adernado pois tentávamos alcançar um grupo de barcos à nossa frente. Já havíamos alcançado uns dois e ainda faltava outro quando, a apenas 200 metros da linha de chegada, nossa corrente que liga o leme ao timão estourou. Esta corrente é uma peça reforçada em aço inox que mesmo assim não aguentou o esforço. Naqueles poucos instantes e até nos darmos conta do que havia acontecido ficamos um pouco desconcertados. A primeira reação foi baixar a vela grande imediatamente, já que estávamos perigosamente perto da costa e à deriva. Só então nos demos conta do que estava acontecendo e rapidamente pusemos um leme de fortuna e, com alguma dificuldade ainda conseguimos cruzar a linha de chegada, tendo perdido mais algumas posições.
No final um desapontador oitavo lugar em nossa categoria entre os 30 inscritos.
E era particularmente frustante porque soubemos que teríamos chegado em segundo se nenhum destes problemas bestas tivessem ocorrido. Mas regata é assim mesmo, força-se muito todo o equipamento, ao máximo, e as fadigas de material justamente aparecem nestas ocasiões. O pior é saber que para mim havia três barcos imbatíveis, dos quais somente o veleiro Vento confirmou o primeiro lugar e que haveríamos chegado na frente dos outros dois (um Bavária 49 pés e o WaWaToo, um outro barco de 18m de comprimento, quando ambos chegaram após nosso tempo estimado de chegada).

Ao fim sobrou uma certa decepção e muito cansaço. Nas primeiras duzentas milhas tínhamos feito uma média excelente entre 8 e 9 nós. Despois do problema com o cabo da genoa passamos a andar a cerca de 6 nós, o que fez toda a diferença e nos mandou para trás na classificação, mesmo tendo naquela manhã trocado o cabo e retomado nossa velocidade anterior. Mas aí já era tarde demais.

Depois daquelas primeiras horas de descanso, e pouco a pouco, nosso ânimo renovou-se com o ar e o sol de Noronha, pelos muitos banhos de mar, mergulhos em águas paradisíacas e passeios por trilhas de onde se tinha um visual impressionante de algumas das mais belas praias do planeta, sem falar dos coquetéis do Cruzeiro Costa Leste e das festas de premiação da Refeno. Algumas praias, como a Baía do Sancho e a Praia dos Porcos estão entre os mais espetaculares lugares que já visitei. São pequenas baías com uma coloração de água extraordinária.
Fernando de Noronha é daqueles lugares imperdíveis, uma formação vulcânica que surge do fundo do oceano, a 4 ou 5 mil metros de profundidade para surgir em meio ao oceano com poucas centenas de metros acima do nível do mar, com uma fauna e flora impressionantes. Hoje pela manhã (sexta-feira e véspera da partida para Recife) apareceu na baía onde estamos ancorados centenas ou milhares (difícil precisar) de golfinhos. Foi a primeira vez que vi tantos juntos e ficaram um bom tempo perto da gente. Na saída de Noronha, no outro dia, a mesma coisa, vários grupos de golfinhos nadando junto aos barcos.
Saímos do arquipélago no sábado (2 de outubro) e a volta foi muito tranquila, com um mar bastante baixo e vento fracos, o que proporcionou-nos uma velejada muito agradável. Desta vez levamos 48 horas até chegar em Recife.